5 de fevereiro de 2013

Construção vs reconstrução - a cidade da memória

"Jornal de Notícias" de 02/02/2013

Braga é uma cidade com uma história caracterizada por várias cronologias.
 
Desde vestígios mais antigos à expressão da arquitectura contemporânea, a cidade congrega um vasto número de edifícios de interesse histórico, independentemente de serem classificados como monumento ou não.
 
A importância de um edifício para a História da cidade não se mede pelo grau de classificação que pode ter, mas sim pelo simbolismo que esse edifício representa.
 
A antigas instalações da Saboaria/Perfumaria Confiança não estão classificadas, mas actualmente a cidade reconhece ali um importantíssimo resquício de um antigo núcleo industrial que quase foi banido da memória da cidade. O eixo da Rua do Taxa e da Rua Nova de Santa Cruz formava o pólo industrial da cidade, que empregou centenas de funcionários e sustentou várias famílias. Com o crescimento da cidade e o relegar das indústrias para parques industriais na periferia, a memória de Braga foi amputada através da destruição das unidades industriais e pela sua substituição a partir de prédios habitacionais.

Hoje, importa preservar o edifício da Saboaria/Perfumaria Confiança, para que a memória da indústria em Braga não desapareça. Temos assistido a um novo fenómeno - que é de aplaudir - relacionado com o aproveitamento de grandes unidades industriais ou habitações de interesse histórico, que entretanto já não cumprem as funções para as quais tinham sido construídos,  reconvertendo-os em pólos culturais. O Museu da Chapelaria, em S. João da Madeira, ou o aproveitamento do Palácio Vila Flor, em Guimarães, tornam-se casos de sucesso no que toca à reconversão do edificado antigo, tornando-os fruiveis ao público a partir de um programa cultural.
 
Obviamente que não poderá o Município de Braga adquirir todos os edifícios de interesse histórico ou arquitectónico que jazem ao abandono na cidade. Mas importa fazer três reflexões. A primeira, é que compete ao Município olhar para a cidade e gizar o seu planeamento. O Município foi privilegiando o aumento das áreas construtivas, fazendo com que a cidade crescesse no território e ficasse dotada de um maior índice de novas construções. Ao incentivar a construção de raiz, convidou a que os proprietários fossem relegando “sine die”o restauro dos edifícios no centro urbano, chegando estes a ficar devolutos, abandonados e em ruína. Actualmente, o Município prepara-se para apresentar no Plano Director Municipal (PDM) a estratégia do “saldo 0”, isto é, não aumentar os índices construtivos, privilegiando as reconstruções. Esta atitude peca por tardia, pois hoje, olhando para a cidade, vemos a quantidade de edifícios que estão em ruína, desfigurando a sua beleza.
 
A segunda reflexão implica a falta de dinâmica do Município no que concerne à negociação com os proprietários. Se a Câmara investisse numa estratégia de recuperação do centro urbano, assente numa metodologia de apoio ao restauro, isentando de taxas e promovendo benefícios fiscais para a sua recuperação, os proprietários estariam mais motivados a promover obras. Além do mais, falta haver uma espécie de Sociedade de Reabilitação Urbana, encabeçada pela CMB, que fizesse um estudo do edificado, propusesse projectos de reabilitação e mediasse a recuperação com capitais privados, semi-públicos ou públicos, neste caso com benefícios de gestão para o Município.
 
A terceira reflexão visa a apatia cultural que tolda o discernimento do executivo municipal. Se houvesse um aproveitamento atempado dos fundos estruturais europeus e uma visão de conjunto sobre a cidade, identificar-se-iam edifícios emblemáticos que pudessem albergar estruturas de várias índoles. A recuperação do Theatro Circo foi importante para a cidade, mas o dinheiro que lá foi investido daria para adquirir, recuperar e criar uma nova valência cultural para a cidade.
 
Pensando nos casos do Museu da Chapelaria ou da Casa Cultura de Cascais, podemos pensar que não houve, em Braga, uma preocupação para dar nova vida a edifícios e reconvertê-los para colmatar necessidades culturais. A reconversão do antigo Quartel da GNR em GNRation pode ser um primeiro indicador de uma nova realidade em Braga.
 
Do nosso ponto de vista, uma estratégia para a cidade teria sido converter a “Casa das Convertidas” numa pousada da Juventude; a Escola D. Luis de Castro num Hotel de Charme no sopé do Bom Jesus; o edifício do Castelo seria uma excelente Galeria de Arte Contemporânea; a antiga Sarotos ou a Francor podiam ser um núcleo museológico dedicado à indústria e a antiga Rodoviária Nacional poderia ser um Museu do Transporte. Importa, ainda, lembrar que Braga não possui um Museu da Cidade, estrutura que conte as várias cronologias, o seu desenvolvimento na História, as pessoas que influenciaram a vida da cidade e os períodos mais característicos (o S. João de Braga, a Semana Santa, etc). Porque não investir numa estrutura que seja didáctica, pedagógica e ensine as crianças a amar Braga e os turistas a conhecer a cidade.
 
Este será o desafio dos tempos próximos…pensar a cidade e reinventar o conceito de urbe, sem destruir a sua História e as expressões que mais a marcam. É uma missão que se exige, para que a cidade seja mais equilibrada, harmoniosa, atractiva para quem vem de fora e suficientemente marcante para que quem é de cá não queira sair definitivamente.



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