"Diário do Minho" 08/04/2013
Nos estudos etnológicos e antropológicos, de carácter religioso ou não, não faltam as referências, sempre num passado distante, às danças populares com propósitos rituais ou de manifestação da devoção dos fiéis, ora como parte integrante de uma procissão, ora como expressão complementar da romaria ou peregrinação, antes, durante e depois do cumprimento da promessa ou do voto. As sobrevivências, no nosso país, são apontadas e descritas a dedo – dança da genebres, dança das fitas, dança do rei David, dança da mourisca, dança dos paulitos – não obstante continuarem a praticar-se cantigas populares religiosas que remetem os sentidos para a concretização coreográfica e não obstante continuarem a verificar-se momentos de prática coreográfica intensa à volta de santuários, como é o caso da Senhora da Peneda e de S. Bento da Porta Aberta, por exemplo.
Nas descrições de usos e costumes de terras e de gentes é frequente emergirem as construções teóricas acerca da religiosidade inerente à música, aos cantos e às danças, mas depois os seus praticantes, hoje frequentemente reunidos em torno de projectos folclóricos, são referidos como «actores que emprestam o corpo e a voz», ou seja, são referidos como meros figurantes de ocasião, desligados de práticas familiares e paroquiais, isentos de autonomia de decisão e de convicções culturais.
O evento «Vamos bailar à Senhora», concebido em 2004 para celebrar o centenário da coroação de Nossa Senhora do Sameiro, pretendeu, em parte, remar contra esta «produção de esquecimento» e consagrar os grupos folclóricos, sobretudo estes mas também os demais praticantes, como sujeitos de criação cultural nas múltiplas vertentes que a tradição inspira e mantém vivas em algumas situações.
A actual direcção da Confraria do Sameiro presidida pelo senhor Cónego João Paulo Abreu decidiu retomar este evento por ocasião da Peregrinação de Agosto, dedicada aos emigrantes. O tempo de convocação dos grupos e de preparação não foi suficiente, mas a generosidade e a dedicação dos grupos aderentes justificará esta iniciativa.
Do mesmo modo que se pode considerar natural que as instituições religiosas encomendem variadas obras musicais a compositores de renome, do mesmo modo que se pode achar pertinente a realização de eventos plurais nas igrejas e nos santuários, assim se deve considerar oportuno solicitar a intervenção coreográfica dos grupos folclóricos para abrilhantar aquelas cerimónias cuja dimensão popular e festiva é inerente à sua concepção e às suas finalidades.
Não faltando na Bíblia as referências às danças executadas em honra de Javé, nem faltando no Novo Testamento o imaginário festivo da entrada de Jesus em Jerusalém, também não faltam na tradição popular as cantigas, nem os gestos, nem os movimentos, que distinguem esta intencionalidade de rezar tocando, cantando e bailando.
Foi com estes pressupostos que se conceberam e reorganizaram letras, músicas e coreografias, retomadas da tradição e nela inspiradas, para os bailes em honra da Senhora do Sameiro: viras, chulas e malhões, interpretados colectivamente por vários grupos, como se fossem um só.
Este ano, esta fantástica iniciativa de cariz tradicional ocorre no dia 18 de Agosto, no Sameiro, claro.
A não perder!
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