10 de novembro de 2010

Entre Aspas - Proteger as Sete Fontes

retirado do "Diário do Minho" de 08/11/2010





Salvar as Sete Fontes



Preservar a água e a
biodiversidade; conservar
o património; atenuar
e prevenir inundações;
melhorar a qualidade
de vida dos bracarenses;
promover a cidade.


O Minho é uma das zonas mais pluviosas da Península Ibérica, a par da Galiza, das Astúrias e da Cantábria. As massas de ar oceânico, carregadas de humidade, embatem nas serras que as delimitam e a chuva precipita-se com um grau de intensidade variável, por vezes contínua, outras vezes sob a forma de aguaceiros mais ou menos fortes. Por esse motivo no Minho não se verificam problemas de seca grave, ao contrário do Centro e Sul de Portugal. A chuva em Braga não é um acontecimento desejado com ansiedade, como por exemplo no Alentejo. Precipitações elevadas são normais.

Recentemente registaram-se inundações em Braga (amplamente noticiadas na TV e na Imprensa) e que se reflectiram, entre outros locais, no eixo viário que assenta sobre o antigo ribeiro que drenava as águas da bacia de recepção onde se conservam as Sete Fontes. Logo na primeira chuvada mais forte, depois de um Verão muito seco, a água tomou conta das ruas e dos passeios, entrou por lojas adentro e bloqueou túneis. Não foi um fenómeno meteorológico extremo, como o que sucedeu na Madeira. Uma quantidade de precipitação semelhante pode ocorrer a qualquer momento e há de repetir-se este Inverno e nos anos seguintes, com ou sem alterações climáticas.

Nas duas cartas militares da série antiga (elaboradas na década de 40 do século XX) e que abrangem Braga, pode observar-se uma pequena cidade que mais tarde irá crescer, exponencialmente, a partir da década de 60. Os arredores formavam então uma intricada malha de quintas, hortas e terrenos de cultivo que abasteciam a cidade. Nos terrenos dessas quintas instalaram-se, posteriormente, extensas urbanizações(em vez de ocuparem o alto das colinas e a parte superior das encostas como seria lógico).

Através da análise comparada entre as cartas de meados do século XX e fotogramas da mesma época com a fotografia de satélite ressaltam os erros cometidos no uso dos solos. Por outro lado é possível reflectir acerca do modo de minimizar os problemas resultantes do mau planeamento das últimas décadas. Assim, como mais vale prevenir do que remediar, nas zonas ainda livres não se deveriam autorizar mais construções, pelo menos nas bacias hidrográficas de recepção. De outro modo os solos ficam totalmente impermeabilizados e a quantidade de água que converge para os leitos naturais de escoamento (os chamados leitos de cheia) é tremenda, deslocando-se com violência.

Conhecem-se as consequências ambientais e para o Património Histórico de uma eventual urbanização da zona das Sete Fontes. Têm sido discutidas publicamente. Porém talvez não tenha sido destacado este aspecto: manter tal como está o Vale das Sete Fontes é crucial para evitar que novas chuvas fortes possam causar vultuosos danos a jusante.

Prejuízos materiais e interrupções no trânsito automóvel da cidade, como se pode observar em fotografias publicadas na Imprensa e mesmo em vários vídeos difundidos através do Youtube.

Os bracarenses que utilizamos seus automóveis ou os transportes públicos para se deslocarem para o trabalho ou regressarem a casa, ou ainda para irem buscar às escolas os seus filhos ficaram bloqueados em intermináveis filas. Pregam contra S. Pedro e contra o mau tempo, mas na verdade o responsável pelo mal causado está cá na terra, num gabinete da Praça do Município, embora por poucos anos mais. Pela sua capacidade de retenção de água, o futuro Parque das Sete Fontes, livre de construções, é uma mais-valia preciosa para a qualidade devida dos bracarenses. Se somarmos a todos os danos materiais das inundações, o tempo perdido na trânsito desordenado, acidentes, o Parque constitui um valor acrescentado de grande benefício económico para Braga só neste aspecto particular, sem referir outros como a água pura, o lazer, o turismo, a biodiversidade.

Aliás as forças políticas representadas na Assembleia da República, desde o CDS--PP ao Bloco de Esquerda, passando pelo PSD, o PS, os Verdes e o PCP, foram unânimes, em aprovar as recomendações elaboradas por dois desses partidos (o CDS e o BE) no sentido de preservar o Monumento e o Vale das Sete Fontes. Estivesse no cargo de Presidente da Câmara de Braga um homem de visão e toda a zona das Sete Fontes seria hoje uma vasta zona verde integrada na nova cidade. Bastava-lhe ter seguido o exemplo de Duarte Pacheco em Lisboa que conservou a Mata de Monsanto. Infelizmente o Engenheiro Mesquita Machado não soube ou não quis planear o futuro e os bracarenses de há muito vêm pagando essa pesada factura. De qualquer modo seguindo a recomendação da Assembleia da República ainda se vai a tempo, mesmo que parte do Vale dos Sete Fontes já esteja mutilado.

Convém, por outro lado que a Sra. ministra da Cultura se apresse na publicação do diploma, incluindo a Zona Especial de Protecção. De facto não podem os interesses de alguns lesar uma cidade, a ilustre capital do Minho e uma das urbes mais dinâmicas do Noroeste de Portugal. O movimento que se constituiu para salvar as Sete Fontes, através de uma petição, apreciada em Plenário da AR e com subsequentes recomendações aprovadas por unanimidade dos partidos constitui um exemplo de cidadania. Em décadas anteriores foi possível graças aos cidadãos, sob o impulso da ASPA, salvar de ruína certa e aniquilamento definitivo Bracara Augusta e o Mosteiro de Tibães. Braga provou, talvez mais que outras cidades de Portugal, que é capaz de fazer ouvir a sua voz e fazer valer os seus direitos comuns contra interesses particulares. O Parque das Sete Fontes será mais uma vitória.

Francisco Sande Lemos
Arqueólogo

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